Viéses cognitivos são tendências naturais e inconscientes que temos para acreditar em algo, para chegar a uma certa conclusão, para formular uma ideia, pensamento, crença ou tomar uma decisão. São como estruturas pré-programadas na mente, por meio das quais filtramos ou direcionamos o modo de pensar, supersimplificando-o e, como resultado, gerando uma conclusão distorcida e não analisada da realidade.
Os viéses cognitivos foram formalmente estudados e apresentados como tais por dois estudiosos da psicologia aplicada a matemática e a economia - os israelenses Amos Tversky e Daniel Kahneman. Em 1972, eles desenvolveram o conceito dos viéses cognitivos no artigo Heuristics and Biases: The Psychology of Intuitive Judgment, publicado pela Cambridge University.
O que explica os viéses cognitivos?
O sistema do ser humano e sua máquina mais poderosa - o cérebro - foi projetado para a sobrevivência. E a lógica fundamental por trás da capacidade de sobreviver é a lógica da eficiência: quanto mais eficiente for um sistema, mais condições ele terá de garantir a própria sobrevivência.
O cérebro humano foi programado para a eficiência. Todo o seu aparato neurofisiológico, bioquímico e cognitivo foi evoluído para garantir a proteção do indivíduo. Contudo, eficiência implica em rapidez, e rapidez torna-se possível com simplificação. Isso significa que o quid pro quo da eficiência é, muitas vezes, a verdade. O sacrifício de um assessment acurado da realidade em favor de um assessment rápido e simplista traz o ônus da miopia cognitiva mas o bônus de tomadas de decisão rápidas, capazes de garantir a sobrevivência em circunstâncias imediatas, ainda que sob o prejuízo de uma percepção mais verdadeira da realidade. Não deixa de ser irônico que justamente os mecanismos de proteção do sistema humano sejam os que, por outro lado, o envenenam.
Desde o primeiro estudo formal sobre o tema, uma lista crescente e não finalizada de viéses continua a ser desenvolvida, com aplicações oportunas sobre quase todos os campos em que o comportamento humano seja uma variável da equação. E a educação é um desses campos.
Neste artigo, vamos observar uma lista de 7 viéses cognitivos com maior potencial de prejuízo sobre a aprendizagem.
Viés de Confirmação
É a tendência de distorcer a informação por meio de crenças e juízos pré-existentes, fazendo com que a realidade se encaixe nesse sistema de crenças, ao invés de provocar o ajuste do sistema para que se encaixe na realidade. Garante a sobrevivência imediata do indivíduo por meio da proteção psicológica e emocional de se estar certo sobre algum assunto, além da velocidade na apreensão de alguma informação, já que distorcer a realidade é bem mais fácil do que mudar esquemas de crenças pré-existentes.
Para o educador: Busque sempre conhecer mais ferramentas e questionar seu status quo. Abuse de ferramentas avaliativas e estabeleça indicadores com outros profissionais, visando um olhar objetivo sobre suas ações, baseado em métricas. Trabalhe em ações de pre-work com os aprendizes ajudando-os a acessar alguns de seus viéses, trazendo-o à consciência e minimizando o seu impacto.
Para o aprendiz: Busque conhecer seus viéses e trabalhe em sua inteligência emocional para identificar pensamentos e emoções que apontem para possíveis dissonâncias cognitivas (i.e., momentos de confronto entre sistema de crenças e uma realidade que possa disrompê-lo).
Viés de Personalização ou "Backfire"
É a tendência de fortalecer ainda mais uma certa crença quando ela é confrontada. É um viés intimamente ligado ao fenômeno mencionado das dissonâncias cognitivas. Uma vertente deste viés tem a ver com a personalização de ideias, que é a disposição em associar a própria identidade às ideias e crenças que se tem, de modo que quando algumas dessas idéias ou crenças são confrontadas, a pessoa sente que ela mesma, em sua essência e existência, está sendo confrontada, gerando uma enorme resistência à aprendizagem.
Para o educador: Adote sempre uma postura dialética e inclinação agóstica como um aprendiz ao longo da vida. Apegue-se mais à verdade do que a posições. Ajude seu público a dissociar seu autoconceito de suas ideias e crenças. Ideias e crenças não são a pessoa em si. Discordar de ideias e crenças não equivale a atacar a pessoa que as têm. Promova atividades e situações com exposição controlada a divergência de ideias e fortaleça a aprendizagem por meio de exercícios de síntese.
Para o aprendiz: Exponha-se voluntariamente a ideias diferentes das suas e evite o impulso de rejeitá-las ou aceitá-las. Ao invés disso, apenas as analise. Desenvolva também sua inteligência emocional para que perturbações emocionais vindas de um confronto de crenças fiquem claras, e o viés de personalização seja exposto.
Hipótese do Mundo Justo ou "Pensamento Desejoso"
É a tendência de, por desejarmos um cenário ideal, de paz, felicidade e justiça, assumirmos que as coisas são assim. Deriva da facilidade em assumir que é verdade para um certo cenário aquilo que gostaríamos que fosse verdade. É um fenômeno que acontece muito em análises políticas da mídia mainstream - a maioria avassaladora das projeções que se faz não são baseadas em um assessment acurado da realidade, mas no que se gostaria que fosse a realidade. É comum que este viés seja misturado com o Viés de Confirmação e outros, concomitantemente.
Para o educador: Busque sempre trabalhar com as ferramentas que mais funcionam para cada ocasião, ao invés das ferramentas que você, por qualquer razão ou gosto particular, crê que sejam melhores. Ajude seu público a se conscientizar da diferença entre realidade e pensamentos desejosos ou torcida.
Para o aprendiz: Antes de se envolver em uma situação de aprendizagem, faça uma lista de tudo o que é caro para você, que pode ter a ver com o tema a ser aprendido. Mantenha essa lista visível o tempo todo para constatar em que momentos você está criando algum conceito baseado no que gostaria que fosse verdade, mas que pode não ser. Desenvolva a capacidade e a atitude de se interessar mais pela realidade como ela é do que pelos conceitos prévios. Fique atento aos seus viéses de confirmação.
Efeito Dunning-Krugger
É a tendência em assumir que se sabe mais sobre um assunto do que realmente se sabe, principalmente quando há uma relação inversa entre o objeto e o que se sabe sobre ele. Em outras palavras, quanto menos se sabe sobre um assunto, mais a pessoa estará inclinada a acreditar que sabe muito sobre ele. Isso acontece porque a ignorância completa ou quase completa sobre um assunto mantém a pessoa inconsciente sobre ele, sobre sua natureza, extensão e profundidade. O efeito Dunning-Krugger pode ser equiparado ao degrau da incompetência inconsciente, no modelo da Escada da Competência Consciente.
Para o educador: Pesquise muito um assunto, principalmente quando você julga saber bastante sobre ele. Aprenda com fontes diferentes e divergentes. Busque parcerias com SMEs (Subject Matter Experts) para obter um panorama mais confiável sobre temas específicos. Utilize exercícios de awareness com seu público antes de iniciar a aprendizagem em si. Simulações e avaliações são boas formas de trazer à consciência a própria ignorância sobre algum tema. Ferramentas de auto-assessment como a Matriz SWOT são também úteis para destacar um possível efeito Dunning-Krugger.
Para o aprendiz: Adquira o hábito de sondar o que você sabe ou acha que sabe sobre o tema que for estudar. Questione a si mesmo o quanto você sabe sobre este tema e busque evidências concretas de que o sabe. Procure escrever um parágrafo sobre este tema, relatando sua natureza, suas implicações, sua profundidade, seu contexto básico, e busque listar os principais autores e autoridades sobre este tema. A ausência ou a pobreza dessas informações pode significar que você está sob o efeito Dunning-Krugger.
Viés de Pensamento de Grupo
É a tendência em terceirizar a própria cognição e responsabilidade individual pela aprendizagem para um grupo com o qual a pessoa se identifica e, assim, assumir a totalidade de um pensamento desse grupo como pensamento próprio. Pela identificação com o grupo, a pessoa, inconscientemente, se sente inclinada a adotar sua totalidade de crenças e conclusões sobre algum assunto. A consequência mais dramática deste viés é que a pessoa passa a suprimir a busca pela verdade e a atitude de aprendizagem em favor da busca por uma perspectiva - um ângulo específico sobre certo tema.
Para o educador: Utilize ferramentas probatórias e questionário socrático sobre você mesmo para que possíveis tendências de pensamento coletivo sejam trazidas à tona. Ajude seus aprendizes a mantere-se atentos para este viés. Encoraje o pensamento próprio. Procure criar situações de aprendizagem em grupo misturando células heterogêneas. Promova debates controlados em que uma pessoa se veja obrigada a defender um ponto de vista antagônico ao seu, como exercício.
Para o aprendiz: Faça uma lista de todos os grupos com os quais você crê se identificar e cruze com uma lista de suas crenças ou suposições sobre o assunto que será aprendido. Em seguida, repare até que ponto sua lista de suposições coincide com a lista de crenças do grupo ao qual você se subscreve. Escreva uma carta a si mesmo visando te convencer sobre a importância de ser um indivíduo, com plenas capacidades de chegar às próprias conclusões.
Viés de Disponibilidade
É a tendência em concluir que uma certa crença, ideia ou posição é a verdadeira ou é a que melhor representa o todo, apenas por ser a mais conhecida. Equivale a chancelarmos alguma ideia como a opção mais representativa do todo (ou a mais legítima) apenas porque ela é defendida pela maioria. Este viés ocorre muito com o Viés de Pensamento Grupo.
Para o educador: Aprofunde seus conhecimentos de forma comprometida, buscando sempre um ótimo ambasamento. Tome cuidado com as ideias que são defendidas de forma mais apaixonada pela maioria, principalmente quando essa maioria demoniza outras ideias. São grandes as chances de viéses de confirmação, de personalização e de pensamento de grupo estarem atuantes aqui.
Para o aprendiz: Mantenha a consciência sobre essa inclinação e sempre questione a validade uma ideia, pensamento, crença ou conceito, não por seu status de fama, mas por sua validade intrínseca.
Efeito de Fixação Funcional
É a tendência em enxergar um único uso, de uma única maneira, para uma certa ferramenta.
Para o educador: Associa-se muito com o Viés de Disponibilidade e deve levantar atenção sobre o uso singular de um único método, um único recurso uma única ferramenta. Coloque-se em projetos com muitas restrições ou com restrições que te impeçam de realizar as mesmas coisas da mesma maneira. Assuma desafios para sua criatividade e foque-se mais no objetivo do que no processo, de modo que a escolha de caminhos fique sujeita aos resultados pretendidos.
Para o aprendiz: Esteja mais aberto para o aprendizado do que para o como do aaprendizado. Teste novas ferramentas, ideias e jeitos de aprender. Foque-se mais no resultado da aprendizagem do que no engessamento de algum processo.
Estes são os viéses cognitivos com maior potencial de prejudicar um processo de aprendizagem, mas a lista não é exaustiva.
O melhor antídoto para os viéses é sempre a autoconsciência, de modo que a habilidade de aprender é intrinsecamente ligada às essential skills ou habilidades emocionais.